Ubuntu, palavra da bacia cultural dos povos classificados como “bantus” que em território brasileiro deram origem aos quilombos, remete à noção de inter-existência. Em Xhosa está associada à uma expressão “UBUNTU UNGAMNTU NGANYE ABANTU”, cuja tradução equivale a "pessoas se tornam pessoas através de outras pessoas” e que aponta para a compreensão da inter-relação indissociável entre todas as coisas e para a consonância pessoa/comunidade. O termo traz a noção de “comunidade”, mas abrange também uma grande variedade de caminhos: descreve generosidade, atenção, hospitalidade, amizade, cuidado, interdependência, compaixão e apoio mútuo; fala de aliar e interconectar pessoas, Ubuntu significa também: eu pertenço. Desmond Tutu explica que: “Ubuntu não é fácil de descrever porque não tem equivalente em nenhuma das línguas ocidentais… O Ubuntu fala sobre a essência do que é ser humano e do nosso entendimento de que a pessoa humana é cooperativa. O indivíduo solitário é em nosso entendimento uma contradição de termos. Você é uma pessoa por meio de outras pessoas. O Ubuntu fala sobre a importância da harmonia comunal ... fala sobre calor, compaixão, generosidade, hospitalidade e procura abraçar os outros. Ele fala do fato de que minha humanidade está presa e inextricavelmente ligada à sua. Eu sou humano porque eu faço parte. Ubuntu fala sobre integridade, fala sobre compaixão. Uma pessoa com Ubuntu é acolhedora, hospitaleira, calorosa e generosa, disposta a compartilhar. Tais pessoas estão abertas e disponíveis para os outros, dispostas a serem vulneráveis, afirmam os outros, não se sentem ameaçadas de que os outros sejam capazes e bons, pois elas têm uma autoconfiança desenvolvida que vem de saber que elas pertencem a um todo maior. Eles sabem que são diminuídos quando outros são humilhados, oprimidos ou tratados como se fossem menos do que quem são. A qualidade do Ubuntu dá resiliência às pessoas, permitindo-lhes sobreviver e emergir ainda humanos, apesar de todos os esforços para desumanizá-los." Fundamentos semelhantes ao Ubuntu expressam-se em todo continente Africano nas mais diferentes roupagens, como no Adinkra - signo da simbologia Akan, da África Ocidental - associado ao princípio de cooperação e interdependência, "BOA ME NA ME MMOA WO", isto é, "Ajude e deixe-me te ajudar". Este princípio foi também recriado na Diáspora, orientando a conduta das pessoas de origem africana em seu esforço por libertação, como indicado pelas palavras de Martin Luther King Jr: "Todas as pessoas estão capturadas em uma rede inescapável de mutualidade, ligadas por um único tecido do destino. O que quer que afete a um diretamente, afeta a todos indiretamente. Eu nunca poderei ser o que eu devo ser até que você seja o que deve ser. E você nunca poderá ser o que deve ser até que eu seja o que devo ser." Ubuntu é, assim, um caminho para restaurar nossa verdadeira humanidade, na compreensão de que "eu sou porque você é, você é porque eu sou e nós somos por sermos uma comunidade".
O Ubuntu - Programa de Estudos em Base Africana originou-se a partir de uma caminhada coletiva de trabalho comunitário e serviço ao povo, quando estabelecemos em 2003 o Quilombo Cabula, organização que mantinha um Pré-vestibular Popular, e o Núcleo de Estudantes Negras e Negros Ubuntu/UNEB. Estas duas esferas buscavam se complementar num processo de auto-Reparação para o povo negro no Brasil, estimulando que estudantes negras e negros na Universidade atuassem em suas comunidades de origem ajudando a preparar acadêmica e politicamente moradoras e moradores destas para acessar o chamado Ensino Superior e que estas pessoas, a partir desta preparação, se organizassem em núcleos nos espaços universitários de modo a garantir compromisso comunitário e um percurso acadêmico de excelência e socialmente referenciado, usando as habilidades desenvolvidas em suas graduações no serviço popular, de modo a gerar um círculo virtuoso de transformação das desigualdades sócio-raciais contra as quais o povo negro vem resistindo secularmente. No Pré-vestibular mantido pelo Quilombo Cabula - trabalho desenvolvido de maneira totalmente autônoma e comunitária - além da discussão transversal destas temáticas em todo o currículo e de ações complementares fora do contexto de sala de aula, foi constituída uma disciplina dedicada a discutir a história e cultura Africana e da Diáspora, as relações raciais e a epistemologia a partir da centralidade africana para o entendimento da própria experiência africana, a qual se deu o nome de "EBA - Estudos em Base Africana". Deste modo, o repertório construído coletivamente nos processos do Quilombo Cabula e do Núcleo de Estudantes Negras e Negros Ubuntu/UNEB por uma década é nosso ponto de partida e referencial metodológico para o presente Programa. Dialogamos, assim, com a Pedagogia Interétnica, conforme proposta por Manoel de Almeida Cruz (1989), bem como com a noção de Amefricanidade de Lélia Gonzales (1988), o Quilombismo proposto por Abdias do Nascimento (1980) e o quilombo como instituição africana preconizado por Beatriz Nascimento (2006) e as abordagens desenvolvidas por Diop (2014), Asante (2014) e Ramose (2012) . O princípio de ação colaborativa do Ubuntu - Programa de Estudos em Base Africana, que estimula o trabalho como fonte de aprendizagem e referência, se fundamenta na prática, acúmulo, reflexão e atualização destas experiências - vividas por boa parte das pessoas que hoje compõem a coordenação do Programa, ou como estudantes ou como docentes do Pré-vestibular - com o intuito de alimentar outras formas de produção e difusão de saberes, muitas vezes negadas e/ou expropriadas pela academia como hoje se apresenta, na busca por potencializar uma educação mais humana.
País atravessado por extremas desigualdades sócio-raciais derivadas de seu passado escravista, o Brasil tem se defrontado com o desafio de revisitar sua história e elaborar soluções capazes de reverter séculos de iniquidades de fundo raciológico. Como parte deste esforço, e atendendo as demandas da sociedade civil, foi promulgada em 2003 a Lei n.º 10.639, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, incluindo no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", bem como a da "História da África", da "luta dos negros", dentre outras providências. Esta lei, posteriormente substituída pela Lei n.º 11.645/08, encontra antecedentes históricos no Projeto de Lei n.º 1.332/1983, de autoria do então Deputado Federal Abdias do Nascimento, que em seu artigo 8º preconiza que o Ministério da Educação e Cultura, bem como as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, em conjunto com representantes de entidades negras e intelectuais negros comprovadamente engajados no estudo da matéria, iriam estudar e implementar modificações nos currículos escolares e acadêmicos em todos os níveis (primário, secundário, superior e de pós-graduação) no sentido de refletir a matriz civilizatória africana e o papel da dimensão racial na conformação do Brasil. Estas modificações, de caráter obrigatório, deveriam ser secundadas por mecanismos de financiamento, controle e avaliação na implementação da lei. Ainda hoje, 35 anos após o projeto de lei e uma década e meia após a promulgação da obrigatoriedade do ensino da cultura e história africana e afro-brasileira, poucas ações foram ensejadas para garantir sua plena execução na Educação Básica. Como ressalta Moore: "A obrigatoriedade do ensino da história da África na rede oficial de ensino no Brasil confronta o universo docente brasileiro com o desafio de disseminar, para o conjunto da sua população, num curto espaço de tempo, uma gama de conhecimentos multidisciplinares sobre o mundo africano"(MOORE, 2005, p. 133). Na busca por fortalecer as experiências que pessoas e organizações negras vêm desenvolvendo e que muitas vezes permanecem invisibilizadas na academia e nas redes de ensino, o Curso de Extensão "Ubuntu - Educação em Base Africana" se propõe a constituir um espaço formativo que, através de um trabalho colaborativo e investigativo, desenvolva práticas educativas em base africana que possam ser expandidas para a escola e outros ambientes educacionais. Assim, o curso propõe aprofundar o entendimento sobre a história, cultura e luta dos povos de origem africana por meio do estudo de obras e pesquisas na área de educação e da cultura e história da África e da Diáspora Africana, de modo a propiciar o intercâmbio permanente entre profissionais de educação com vistas a criar um repertório amplo, capaz de municiar as ações pedagógicas no cotidiano da escola. Enfatizando a dimensão prática como eixo da produção de conhecimento, o curso baseia-se na metodologia Sala de Aula Invertida, na qual a exposição e discussão teórica ocorre no Ambiente Virtual de Aprendizagem (www.moodle.ufba.br) e o desenvolvimento de atividades, experimentações e produtos de aplicação nos encontros presenciais ou virtuais. De caráter inteiramente gratuito, voltado para profissionais que atuam no campo educacional e com público prioritário de educadoras e educadores da educação básica pública ou comunitária, o curso é organizado em 07 blocos, cada um composto por 02 temas e tem uma carga horária total de 180 horas, a ser ministrado em turmas semipresenciais (112 horas on-line e 68 horas presenciais) e turmas 100% EaD (180 horas on-line, com vistas a atender pessoas de fora da Região Metropolitana de Salvador), com certificação concedida pela UFBA.
Temas
Bloco A - Família negra e afetividade: autocuidado enquanto povo |
01 - Trabalho, Família e economia |
02 - Relações de gênero e sexualidade, uma abordagem africana |
Bloco B - Afrocentricidade: Por que estudar em bases africanas? |
03 - Concepções de África |
04 - Discussão conceitual: raça, racismo e outras categorias |
Bloco C - Educação circular e Ludicidade |
05 - Afetividade, consciência corporal, necessidades especiais, educação escolar e a negação do “eu-negro” |
06 - Etnomatemática e ludicidade |
Bloco D - Presença africana global |
07 - Antiguidade africana e Legado Roubado |
08 - Tecnologias e Mídias negras |
Bloco E - Espiritualidade, representações e símbolos: a importância da autoimagem preta |
09 - Heróis e Personalidades negras |
10 - Desafios para as religiosidades africanas |
Bloco F - Racismo, Luta Negra e (Re)Existência Afrikana |
11 - Genocídio negro, violência e relações raciais no Brasil |
12 - Movimentos negros: dos quilombos e revoltas ao nacionalismo negro e panafricanismo |
Bloco G - Cultura e arte negra |
13 - Manifestações populares, contos africanos e linguagens artísticas |
14 - Datas comemorativas |
Calendário
Edital 01/2020 (Turma semipresencial):
Período do curso: 04 de abril a 12 de dezembro de 2020.
Encontros presenciais: 04/04, 09/05, 20/06, 11/07, 08/08, 31/08, 12/09, 24/10, 21/11 e 12/12/2020 - sujeitos a alteração, aos sábados, manhã - 08:00 às 12:00 e tarde, das 13:30 às 17:30). Na Faculdade de Educação/UFBA ou em outro local designado quando das atividades de campo. Ao menos três desses encontros serão junto a comunidades de Salvador e Região Metropolitana. Os custos de transporte e alimentação são de inteira responsabilidade de cada cursista.
O UBUNTU - Programa de Estudos em Base Africana - por meio da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia/UFBA, no uso de suas atribuições legais e regimentais - torna pública a abertura das inscrições para o Processo Seletivo 01/2020 do Curso de Extensão "Ubuntu - Educação em Base Africana", registro SIATEX n. 11875, conforme Resolução 02/2012 do CAPEX/UFBA. O curso, de caráter gratuito, tem sido oferecido na modalidade semipresencial e 100% EaD, com carga horária total de 180 horas. Para maiores informações sobre o processo seletivo, consulte o edital no link abaixo:
As inscrições para a turma 01/2020, semipresencial, ocorrerão no período de 25 de janeiro a 07 de fevereiro de 2020, em duas etapas, conforme o Edital. Na primeira etapa da seleção o candidato deverá preencher o Formulário de Inscrição online (link abaixo) e anexar ao mesmo os seguintes documentos: I. Cópia de um Documento Oficial de Identidade (frente e verso); II. Carta de Intenção; III. Currículo (Vitae ou Lattes); VI. Comprovação de atuação profissional em alguma Instituição de ensino. É de total responsabilidade do/a candidato/a o preenchimento correto do Formulário de Inscrição e o envio da documentação completa referida. Os selecionados na primeira etapa participarão da entrevista presencial.
Edital 01/2020:
Edital 01/2019:
Edital 01/2018:
Edital 02/2018: